Conquista de Málaca. Revista BRASIL-EUROPA 127/2. Bispo, A.A. (Ed.). Organização de estudos culturais em relações internacionais






Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 
O Sudeste Asiático oferece múltiplas possibilidades para o desenvolvimento de estudos culturais em contextos globais sob a especial consideração dos Direitos Humanos.


As situações complexas que ali se apresentam à análise prometem resultados de interesse que transcende delimitações geográficas. O pesquisador encontra, na tomada de Málaca pelos portugueses, em 1511, com um fato de decisiva importância no desencadeamento de processos culturais causados por encontros entre o Ocidente e a Ásia oriental.


„(...) os portugueses passaram a dispor, a partir de 1511, de uma das mais importantes cidades mercantis de todo o Oceano Índico, o que alargou consideravelmente os horizontes do então embrionário Estado da Índia. Malaca era a chave do acesso a duas regiões principais: o Extremo Oriente, de onde provinham as sedas e porcelanas chinesas, sobretudo, as ilhas da Insulíndia Oriental, de onde provinham diversas especiarias e outros produtos exóticos. Após a conquista portuguesa, Malaca estava destinada a prolongar a anterior função do sultanato malaio: uma espécie de ‚porta giratoria‘ comercial do Índico, mantendo a capacidade de atracção das principais comunidades mercantis“. (Paulo Jorge de Sousa Pinto, „Capitães e casados. Um retrato de Malaca nos finais do seculo XVI“, Oceanos 32, outubro-dezembro 1997, Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 47-60, 47)


A consideração desses princípios de desenvolvimentos mundializadores nessa esfera do globo surge como condição necessária para a fundamentação histórica adequada dos caminhos que levaram à atual globalização, da qual Singapura é um de seus principais exemplos.


A atenção dirigida às bases de processos históricos serve, assim, à análise aprofundada de processos em vigência na atualidade.


Devido às circunstâncias históricas da conquista de Goa e Málaca, o estudo desses fundamentos de processos históricos é privilegiadamente da alçada daqueles que se dedicadam a complexos temáticos relacionados com Portugal e com as culturas resultantes das ações lusas à era dos Descobrimentos. Pertence, assim, à história do Brasil nos seus primórdios, que havia sido descoberto apenas uma década antes daquelas conquistas.


A consideração das ações portuguesas na Índia e no Sudeste Asiático permite que se enquadre mais adequadamente o início da história do Brasil em contexto global dos objetivos, das aspirações, dos motivos, das estrategias e do modo de procedimento dos portugueses.


A história da ação portuguesa no Sudeste Asiático, já tratada sob diversos aspectos e que conta com considerável bibliografia, possibilita ainda novas aproximações.


As relações entre os europeus e essa região apresenta radicais modificações no decorrer dos séculos, mudanças essas vinculadas a transformações políticas internas e de poderio econômico na Europa nos seus elos com o comércio marítimo mundial.


O complexo desenvolvimento histórico da região nas suas relações com os europeus tem sido considerado sobretudo a partir da perspectiva dos países europeus envolvidos. Assim, autores portugueses ou dedicados a estudos lusológicos dirigem a sua atenção sobretudo ao século XVI e utilizam-se principalmente de fontes históricas portuguesas. Holandeses, a partir de outros critérios, salientam a época de sua ação no século XVII e observam o desenvolvimento retroativamente com base na sua presença mais duradoura na Indonésia. Similarmente, autores inglêses dirigem a sua atenção a seus sucessos coloniais, sobretudo àqueles de Thomas Stamford Raffles (1781-1826) na fundação de Singapura e no extraordinário desenvolvimento de seus assentamentos no Estreito.


Perspectivas não-européias dos desenvolvimentos apenas aos poucos passam a ser consideradas. Elas dizem respeito não apenas a memórias dos vários grupos de imigrantes não-malaios do século XIX que passaram a constituir grande parte da população multiétnica e multicultural da região, mas sim, também, à de malaios, que podem basear-se numa continuidade histórica, apesar das múltiplas transformações.



Local de reflexões: Malay Heritage Centre na zona árabe de Singapura


Como principal local para reflexões contextualizadas. escolheu-se o palácio do sultão malaio, em Singapura, símbolo da continuidade histórica malaia e hoje um dos principais centros de estudos da cultura malaia (Malay Heritage Centre), parte da área de conservação patrimonial do Kampong Glam.


Trata-se de um museu com com instalações tecnicamente avançadas e que apresenta, em exposições organizadas segundo critérios científicos e estéticos refletidos, de extraordinária qualidade visual, objetos das várias épocas da história malaia, devidamente contextualizados, salientando expressões, tendências e questões do presente.


O centro se situa no bairro conotado como árabe - ou muçulmano - de Singapura. Situado entre a Rochor Road, Victoria Street e Jalan Sultan, é denominado segundo a sua principal rua, a Arab Street.


Essa zona de Singapura oferece possibilidades ideais para estudos diferenciados sobre o „Orientalism“ e sobre a unidade e diversidade do mundo islâmico. Para além da unidade fundamentada no Islão, a diversidade cultural dos muçulmanos ali residentes e que ali trabalham manifesta-se da forma mais evidente no comércio de tecidos e artesanato em tecelagem e cestarias, de perfumes, jóias, estampados e sêdas das mais diversas proveniências, entre elas da Indonésia, da Índia e da China.


As características do bairro árabe de Singapura despertam a atenção para o fato de ser essa parte da cidade, de feições percebidas como tão característicamente „orientais“. resultado de um processo colonial do século XIX, marcado sobretudo por imigrações.



Museu malaio no palácio do sultão de Kampong Glam


O palácio no qual está abrigado o museu malaio dirige a atenção às circunstâncias singulares que possibilitaram a fixação dos inglêses em Singapura e a vinda de representantes da realeza malaia à região.


O início da história de Singapura no século XIX foi marcado por tratos diplomáticos, conduzidos à luz de interesses comerciais entre a Companhia Britânica da Índia Oriental - British East India Company - e as autoridades malaias muçulmanas responsáveis pela região: Abdul Rahman, o Tamengoggong, responsável pela segurança, e o príncipe Hussein Mohamed Sha Ibni Sultan Mahmud Shah, então residente nas ilhas Riau.


Esses tratos possibilitaram a obtenção do direito, pelos inglêses, de abertura de um posto comercial. Em contrapartida, a Companhia Britânica da Índia Oriental usou de sua influência para a elevação de Hussein a sultão de Johor. Com o rápido crescimento da população e o incremento do poder comercial da localidade, a Côrte transferiu-se para Singapura. Esse sultão cedeu, em 1824, Singapura à British East India Company.


Com o direito alcançado, Thomas Stamford Raffles (1781-1826) (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/127/Stamford-Raffles.html) reservou, no seu plano urbano para Singapura, em 1822, a região de Kampong Glam aos malaios, árabes e bugis. Em 1823, previu-se para o sultão a área do atual palácio, situada entre o rio Rochore e o mar. O Sultan Gate e o seu Istana tornaram-se sede da realeza malaia em Singapura.




O sultão construiu a sua residência segundo os moldes tradicionais, nunca tendo morado no palácio atual. Faleceu em 1835, durante uma estadia em Málaca; à época, o seu filho mais velho, Tengku Mohammed Ali, tinha apenas 10 anos. Transferindo-se para Singapura, em 1840, para reclamar os direitos paternos, o govêrno de Singapura ofereceu-lhe uma pensão e permitiu que continuasse na propriedade de Kampong Glam. Tengku Ali construiu o Istana Kampong Glam e tornou-se sultão de Singapura como Ali Iskandah Shah, sendo como tal reconhecido apenas pelos inglêses, em 1855.


O edifício do palácio do sultão reflete essas circunstâncias históricas determinadas por uma diplomacia inteligente e eficiente dos inglêses. A integração do sultanato nas novas condições criadas pelo desenvolvimento colonial em terras cedidas pelos próprias autoridades malaias aos inglêses, reflete-se na sua arquitetura, que revela traço e características ocidentais, atribuídas a George D. Coleman (1795-1844), um dos principais arquitetos da fase inicial de Singapura.



Reflexões sôbre a tomada de Málaca pelos portugueses no Centro Malaio


Nesse centro de estudos do patrimônio cultural malaio do bairro árabe de Singapura, as reflexões foram dirigidas ao passado mais remoto do encontro entre portportuguesesuguêses e malaios muçulmanos, procurando novos  caminhos, mais diferenciados, para a análise das ocorrências e dos processos desencadeados.


O museu acentua a antiguidade do povoamento da região e também os muitos séculos de presença árabe e de sua cultura. Salienta que os árabes marcaram a história comercial da região, ali se estabelecendo muito antes da chegada dos portugueses, convertendo muitos malaios ao Islão. À época da vinda dos navegadores europeus, movidos por interesses comerciais, o poder político e o contrôle do tráfego encontravam-se em mãos de muçulmanos. Como é que teriam esses detentores de poder local visto a chegada dos europeus?


Para o tratamento dessa questão, procedeu-se a uma revisão das principais posições elucidativas de pesquisadores europeus, em particular portugueses. Assim, Joaquim Veríssimo Serrão, da Academia Portuguesa da História, salienta que a tomada de Goa não bastava para assegurar o sucesso do Estado português da Índia, uma vez que já se tinha constatado que a costa do Malabar representava sobretudo um posto intermediário no comércio de especiarias, cuja fonte se encontrava nas Molucas. Para alcançar diretamente essas fontes, porém, impunha-se conquistar Málaca. Essa conquista não possuía apenas sentido comercial e de defesa de interesses, por controlar caminhos, mas correspondia a uma entrada em toda a esfera da Ásia Oriental, um portão à China.


„Pero la existencia de una capital política y administrativa no bastaba para que el Estado portugués de la India asumiese su verdadera dimensión histórica. Albuquerque había recibido instrucciones para extender el domínio geográfico y comercial a otras regiones orientales. Desde hacía mucho se había reconocido que Malabar era sólo un centro distribuidor de especias, pero que se situaba en las Molucas la principal fuente del clavo y de la nuez moscada. Para alcanzar este archipélago se imponía conquistar Malaca, empresa que había intentado sin éxito Diogo Lopes de Sequeira en 1508. Tres años después le tocó a Afonso de Albuquerque organizar una gran escuadra que condujo a la posesión de la ciudad que era considerada en la época como la „llave de Insulindia“. (...) Además de las ventajas comerciales derivadas de la conquista de Malaca, era un mundo aún no revelado el que se abría a los portugueses: el de Asia oriental. Ello significa el próximo abordaje del reino de Siam y de las Molucas, mientras no llegase la hora de establecer relaciones directas con China.“ (Joaquim Veríssimo Serrão, Portugal en el Mundo: Un itinerario de dimensión universal, Lisboa: Mapfre 1992, págs. 247-248)


Questões de imagem e diplomacia: encontro entre Afonso de Albuquerque e o sultão de Málaca


A imagem do encontro entre Afonso de Albuquerque e a autoridade islâmica de Málaca ficou sobretudo gravada por uma ocorrência de características semi-lendárias mas que se perpetuou. Essa imagem é marcada pelo gesto de repulsa do sultão a que Afonso de Albuquerque colocasse sobre a sua cabeça uma corrente que este lhe oferecia. O português, segurando o presente com a mão esquerda, violara um preceito cultural, uma vez que a mão esquerda era considerada como impura na cultura islâmica. O sultão, revoltado com a falta de tato do visitante, negou o prosseguimento de negociações. Essa mudança de atitude teria sido uma das principais causas que teriam levado à situação de conflito e à deflagração da guerra. Com a sua supremacia em armas, os portugueses alcançaram a vitória.


Uma das principais justificativas da tomada militar de Málaca surge, assim, como resultado de um ato de diplomacia falhada. O observador tem a tendência a surpreender-se com a excessiva sensibilidade do potentado islâmico, que, levado por uma superstição, - testemunho de sua estreiteza intelectual - renegara o ato de boas intenções de Afonso de Albuquerque. Este, na verdade, teria incorrido apenas num fauxpas por desconhecimento da cultura da presenteado, uma falha de conhecimentos compreensível e desculpável.


Essa interpretação, porém, não necessita ser a única dessa imagem que marca o início dos conflitos que levaram à conquista de Málaca. Pode-se supor que essa interpretação venha de encontro a um desejo de explicação de um ato de violência dificilmente justificável. Teria sido a ignorância supersticiosa do sultão que levara à deterioração da atmosfera, ao corte de relações e, por fim, inexoravelmente, à guerra.


Pressupostos para a apreciação do ato „diplomático“ de Afonso de Albuquerque


Tratou-se, porém, apenas de um fauxpas de Afonso de Albuquerque, explicável pelo seu desconhecimento da cultura daquele que o recebia? Essa suposição parece ser insustentável.

Afonso de Albuquerque possuía um profundo conhecimento do mundo marcado pelo Islão, da mentalidade, dos hábitos e de seus costumes. Esse conhecimento era um resultado de suas próprias experiências de vida militar e de navegação. Já na sua juventude, após ter participado na guerra contra Castela, em 1476, tomara parte no ataque contre os turcos, que culminou com a conquista - ou melhor, a re-conquista da fortaleza italiana Otranto, em 1481. Lutou, de 1489 a 1495, em Arzila e Larache, no Marrocos. Tornou-se membro da guarda pessoal de João II°, sendo certamente profundamente influenciado por uma cultura que dedicava especial atenção à forma, ao cerimonial e a aspectos protocolares. Tinha, assim, um conhecimento de formas de comportamento e de simbologia de gestos que torna inacreditável que incorresse de forma inconsciente no gesto fatídico na recepção em Málaca.

Dando continuidade à sua carreira militar de combate aos muçulmanos, aos turcos e mouros na Europa e no Norte da África, impregnado ainda pelo espírito da Reconquista, a história das ações navais de Afonso de Albuquerque foram marcadas pelo conflito entre a Cristandade e o Islão em contextos globais.

Recordação sumária dos feitos de Afonso de Albuquerque

Em 1503, tomou parte como comandante de uma frota em viagem à Índia, quando os portugueses, estreitando laços com o soberano de Cochin, construíram ali um forte. O princípio seguido parece ter sido sempre aquele que vê amigos nos inimigos dos inimigos, e esses inimigos eram sempre os muçulmanos. Assim, lutas contra os adeptos do Islão foi travada em combates com tropas do Santorin de Calicut. Paralelamente, desenvolveram-se relações comerciais com Quilon, no Sul da Índia.

Retornando em 1504 com valioso carregamento de especiarias a Portugal, foi nomeado, em 1506, a segundo Governador de todos os domínios da Ásia. Foi também feito comandante de uma frota de cinco naves da armada de Tristão da Cunha. Enquanto Tristão da Cunha prosseguiu da costa oriental africana à Índia, Afonso de Albuquerque dirigiu-se ao Golfo Pérsico, conquistando Hormuz, em 1507.

A vitória de Francisco de Almeida sobre uma armada constituída por forças indianas, egípcias e árabes, em 1509, em Diu, lançou as bases para a soberania portuguesa no Índico. O comércio árabe e o poder das cidades comerciais na península árabe e na costa oriental da África com o Este e Sudeste asiático foi altamente prejudicado.


Política diversa de Afonso de Albuquerque teve Francisco de Almeida, Governador e Vice-Rei da Índia. Este não apoiava os empreendimentos de Afonso de Albuquerque no Golfo da Pérsia e no Mar Vermelho. Somente com a vinda de uma armada de quinze navios sob Fernando Coutinho, em 1509, é que Afonso de Albuquerque pôde desenvolver os seus planos e assumir o carno de Governador. da Índia.


A estrategia de Afonso de Albuquerque consistia sobretudo na criação de uma rêde de pontos fortificados destinados a garantir a segurança da Índia Portuguesa e do monopólio comercial dos portugueses no Oriente. Em 1510, Albuquere tomou a cidade de Goa, pertencente ao Sultanato Bijapur.  Desde fins desse ano Goa transformou-se em capital da Índia Portuguesa, sede do Governador e Vice-Reis. Tornou-se centro do comércio marítimo com o Sudeste Asiático.

Para a defesa militar da conquista, Afonso de Albuquerque mandou levantar uma fortaleza que alcançaria posteriormente renome na arquitetura militar portuguesa. Em 1512, na viagem de retorno a Goa, sofreu um acidente, perdendo o navio Flor do Mar e seu valioso carregamento.


As atividades posteriores de Afonso de Albuquerque testemunham o contexto geográfico-cultural em que agia e a sua função como agente de segurança dos navegadores portugueses relativamente aos muçulmanos. Assim, em 1513, realizou uma viagem pelo estreito de Bab el Mandeb ao Mar Vermelho. Foi, porém, vencido ao procurar cercar Aden. Em 1515, conseguiu reconquistar a ilha de Horrmuz, à entrada do Golfo da Pérsia. Com isso, ao lado de Malaca, estabeleceu um importante ponto de apoio dos portugueses.


O controle dos mares sob Afonso de Albuquerque evidenciou-se na exigência a navios de outras nações de uma permissão de passagem por parte das autoridades portuguesas. Essas permissões, porém, não eram fornecidas para o Mar Vermelho.


Medidas de relevante interesse histórico-cultural serviram à logística de Afonso de Albuquerque. Efetivando tratos com inimigos dos inimigos muçulmanos, conseguiu criar uma rêde de elos estratégicos. Procurou, também, incentivar o casamento entre portugueses e nativos, criando novos círculos populacionais de ascendência européia. Colocou, assim, em vigência um processo de transformação cultural no qual os filhos de pais portugueses se tornaram importantes apoios do poder europeu e da expansão cristã. Em Goa, criou um Senado constituído por portugueses, sendo a administração e a justiça deixada em mãos de funcionários indianos.


Nesse contexto geral, a tomada de Málaca surge como um dos empreendimentos mais ousados de Afonso de Albuquer que disse respeito à região controlada pelos muçulmanos do Este Asiático. Como mencionado, o objetivo material desse empreendimento era o da participação no comércio de especiarias das ilhas Molucas, cuja via, porém, era controlada pelos muçulmanos sediados em Málaca, então florescente cidade portuária.


Em 1508/9, Diogo Lopes de Sequeira havia tentado estabelecer uma feitoria comercial, tendo sido impedido pelo sultão de Malaca, influenciado por comerciantes de Gujarat. Nessa ocasião vários portugueses haviam sido presos, entre êles Rui de Araujo, que seria posteriormente principal representante do comércio da região. Essas ocorrências eram, necessariamente, de conhecimento do potentado que recebeu a Alfonso de Albuquerque.


Tudo indica, assim, que o ato de homenagear o sultão com a mão esquerda possuiu um significado desmoralizador, percebido como ato de sujeição pelo sultão. Com a supremacia de suas armas, Afonso de Albuquerque atacou a cidade, com 16 navios. A sua conquista deu-se a 24 de agosto de 1511. Essa data, dia de São Bartolomeu, possuia significado simbólico relevante na cultura tradicional ibérica, marcada pela luta contra as forças do demônio.


O ato de Afonso de Albuquerque e os estudos de expressões culturais da Reconquista

Como vem sendo tratado e debatido em eventos do ISMPS e da Academia Brasil-Europa, o campo de tensões „crisãos X mouros“ surge como de significado fundamental nos estudos de imagens que se manifestam expressões culturais mantidas pela tradição em países marcados pela presença lusa e ibérica. No Brasil, esse é o caso mais evidente nas representações lúdico-festivas cultivadas em várias regiões do país.


A análise dessa linguagem visual abre caminhos para estudos de sua estrutura, de suas atualizações no decorrer da história e nas diferentes regiões, assim como de seus fundamentos e de suas normas.


O significado - e a atualidade - desses estudos têm sido salientados sob diferentes aspectos. Sob a perspectiva dos fundamentos de processos culturais desencadeados pelos europeus à época dos Descobrimentos, foi considerado em congresso internacional realizado no Rio de Janeiro pelo „ano Colombo“, em 1992. Sob o aspecto das concepções relativas ao Homem, foi discutido no colóquio internacional de Antropologia Simbólica, levado a efeito pelos 500 anos da viagem de Vasco da Gama, em 1998. Sob o aspecto do posicionamento de Portugal no complexo da cultura européia em geral, foi tematizado no colóquio internacional dedicado à  "Dimensão Européia da Cultura Portuguesa", realizado pela nomeação do Porto a Capital Européia da Cultura, em 2002. No seu significado para as reflexões teórico-culturais dirigidas ao futuro de processos culturais brasileiros, foi tratado no congresso de encerramento do triênio pelos 500 anos do Brasil, em 2001.


Esse campo de tensões, ainda que considerado privilegiadamente a partir de expressões tradicionais ibéricas, euro-africanas (São Tomé e Príncipe) e latinoamericanas, abre caminhos para estudos mais amplos, da cultura européia em geral e das relações entre o Ocidente e o Oriente. Esses estudos contribuem, assim, ao debate teórico-cultural da atualidade, em particular àquele referente ao "Orientalism", como salientado no Colóquio Internacional de Estudos Interculturais, efetivado em São Paulo, em 2004, em cooperação com a Universidade de Bonn e o Centro Cultural São Paulo.


O campo de tensões inerente ao edifício de concepções do mundo e do homem tem-se revelado como de antiga fundamentação e dimensões mais amplas do que o da Península Ibérica. As expressões culturais tradicionais da "luta entre cristãos e mouros" não representam apenas recordação histórica ou historicista da Reconquista, mas sim constante atualização de estruturas de imagens e seus sentidos, dos quais a própria luta da Cristandade contra os mouros surge como concretização especificada historicamente.


A luta contra os mouros na Península Ibérica e a sua expulsão, relacionadas com um movimento de Reconquista e expansão de fundamentação simbólica, determinou a ação dos espanhóis e dos portugueses nas viagens dos Descobrimentos e da Cristianização. Nesse processo, à Espanha caberia o caminho do Ocidente, a Portugal o do Oriente.


O confronto de Portugal com o mundo islâmico tem sido estudado sobretudo com relação ao Norte da África, com a presença portuguesa no Marrocos, com as tentativas de intervenção e de estabelecimento em regiões controladas pelo Islão na África do Norte, Ocidental e do Sul, na própria Índia e no Sudeste Asiático.


O processo expansivo de combate de simbólica re-conquistadora encontrou-se, no Sudeste da Ásia, com a fronte mais oriental de um processo de expansão islâmica de origens anteriores. A consideração dos pressupostos culturais dos europeus permite compreender a animosidade e a beligerância que marcaram o início da história da presença européia no Leste asiático e a idéia de Conquista que determinou a tomada de posse de Goa e de Malaca.


***


Foram os portugueses que desencadearam processos de encontros entre o Ocidente e o Sudeste da Ásia com a tomada de Málaca, em 1511, confrontando-se com uma situação de poderio islâmico na região, ou seja, com uma configuração de poder que correspondia àquela de outras regiões do globo com as quais Portugal estava conflitantemente envolvido. A luta contra o Islão, a sua expansão no Ocidente e a Reconquista das áreas conquistadas haviam marcado profundamente a história e a identidade das nações ibéricas, e tinha o seu prosseguimento, nos mares e nas terras extra-européias alcançadas à época das grandes navegações.


A fundação de Singapura no século XIX decorreu sob circunstâncias totalmente diferentes daquelas do encontro entre o Ocidente eo Sudeste da Ásia do início do século XVI. A comparação dessas duas situações possibilita o reconhecimento de diferentes procedimentos diplomáticos e suas consequências.


Todos os direitos relativos a texto e fotos reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.
Indicação bibliográfica para citações e referências:

Bispo, A.A.(ed.). "Afonso de Albuquerque, "O Grande" (1453-1515) e a conquista de Malaca (1511) no campo de tensões entre o Ocidente cristão e o Islão. Questões de interpretação de ato da história diplomático-cultural no contexto Sudeste da Ásia-Portugal". Revista Brasil-Europa 127/2 (2010:5). www.revista.brasil-europa.eu/127/Afonso-de-Albuquerque.html



  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


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  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 127/2 (2010:5)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2635





Afonso de Albuquerque, "O Grande" (1453-1515) e a conquista de Malaca (1511)
no campo de tensões entre o Cristianismo e o Islão
Questões de interpretação de ato da história diplomático-cultural no contexto Sudeste da Ásia-Portugal

Ciclo „Direitos Humanos, Estudos Culturais e História Diplomático-Cultural“ da A.B.E.
Preparatórias à passagem dos 500 anos da tomada de Goa e de Málaca pelos portugueses.

Malay Heritage Centre
, Singapura
25 anos de fundação alemã do Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes e.V.

 



Singapura
Fotos A.A.Bispo 2010
©Arquivo A.B.E.

 

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